É, amigos... Esse ano
não foi nada fácil.
A quarentena começou
no dia do aniversário de 1 ano de Ravi. 17 de março. Cancelamos a festa,
crentes de que em breve poderíamos celebrar... inocentes que somos.
Ficamos em isolamento
por meses e meses. Do quarto para a sala, da sala para o quarto.
Celebrei meu
aniversário por vídeo. Celebrei o de meu filho junto.
Celebramos os 90 anos
de meu avô por vídeo. Toda a família falou com ele. Mal sabíamos que era uma
despedida. Ele se foi alguns dias depois. Não pudemos fazer velório. Não
pudemos ir ao enterro. A covid não permitia.
Ficamos angustiados,
entediados... fiz da minha varanda quintal, piscina, jardim, cenário de mil
aventuras para meu filho poder brincar um pouco. Tomamos banhos e banhos de
bacia, lavamos chinelos, plantamos milho, houve arremesso de pedras, terra e
cascalhos pelo chão. Infinitas vezes...
Ficamos tão exaustos
emocionalmente que Ravi passou a me morder e me bater. Era muita frustração
dentro de um corpo tão pequeno. E muita frustração em mim também.
Tivemos medo do vírus.
Tive contrato
suspenso. Fui recontratada. Tive salário reduzido.
Engravidei. Me
desesperei. Chorei. Sorri. Me emocionei. Fiz planos.
Fizemos exame de covid.
Negativos. Fomos para Ilhéus. Um alívio na alma.
Ravi aprendeu a andar.
Comeu muita laranja. Deu muito tchau ao caminhão de lixo. Varreu muitas folhas
no quintal. Caiu de cara no chão e quebrou um dente.
Eu trabalhei,
trabalhei, trabalhei MUITO. Anderson também.
Sofri com uma
amamentação dolorosa enquanto Luna crescia na barriga. Aos poucos desmamei meu
filho. Foi gentil e foi aliviante.
Fiz tantas orações
para tantos parentes de tantas pessoas que estavam internados com covid. Vi
amigos e parentes pegarem a doença. Ninguém dos meus ficou grave. Graças aos
céus.
Voltamos para
Salvador.
Passamos a sair um
pouco. Um pouco de praia. Um pouco de praça. Um pouco de ar livre. A covid
parecia estar diminuindo. A esperança se instalava.
Recebi um tio em casa.
Os domingos à noite eram ótimos. Futebol e os três homens da casa animados. Até
parecia que a vida estava normal. Mas o tio foi embora para a casa dele.
Fiz um chá de fraldas
para Luna numa praça aberta. Pouca gente. Muito amor.
Recebi um casal de
amigos. Muita comida vegana. Um ensaio de grávida dentro de casa. Ravi tinha
outras pessoas para brincar. Foi bom. Houve eleições nesse meio tempo. Muita
aglomeração. Trabalhei como nunca, até quase enlouquecer. Os amigos tiveram que
ir embora também.
Então a covid se
fortaleceu. Cresceu. E a esperança de dias melhores foi-se embora.
Preparamos a casa para
receber vô, vó e tivó vindos de Ilhéus. De novo muita tensão. Não toquem em nada, não saiam do carro. Usem máscara.
Nosso gato adoeceu.
Achamos que não era nada grave. Levamos ao veterinário. Era muito grave. E em
poucos dias vimos nosso bichinho perder o brilho.
Celebramos o natal em
casa apenas com nossos pais. Uma ceia gostosa. Nada de presentes, como havíamos
combinado. Não queríamos ninguém indo a lojas. Todos obedeceram. Só Ravi ganhou
uns mimos, porque vô e vó não resistem passar natal sem dar um presente pro
neto.
E dois dias depois do
natal, 2020 levou embora nosso Chico tão serelepe e cheio de vida. Ainda não me
acostumei. Qualquer movimento no chão, ainda penso que é o meu bichano
passando. Tive muita raiva de 2020 nesse momento. Era aniversário de minha irmã
e não consegui celebrar como ela merecia. Foram 3 dias e 3 noites chorando.
Agora eu sinto um vazio no peito. E tudo em casa me lembra Chico.
Os últimos dias do ano
foram de barriga muito pesada. Todos os dias eu achei que era o dia em que Luna
ia nascer. Pedi a ela todos os dias que esperasse chegar 2021. Ela me escutou.
Hoje é 31 de dezembro.
Daqui a 5 horas, entraremos no novo ano.
Ainda estamos todos de
máscara. Ainda deixamos sapatos lá fora. Ainda temos muito álcool em gel
espalhado pela casa e no carro e nas bolsas. Ainda lavamos tudo o que entra na
casa e tomamos banho depois de chegar da rua. E não sei como meu celular ainda
não queimou com tanto spray de álcool.
Ainda somos governados
por um imbecil e estamos assistindo de nossos sofás os outros países vacinando
a população, enquanto não temos sequer seringas o suficiente, quem dirá um
plano de vacinação.
Eu nem sei o que
pensar de 2020. Às vezes parece um seriado. Foi tenso, muito tenso. Mais tenso
do que feliz. E sinto culpa em reclamar, por causa dos meus privilégios.
Reconheço todos os
meus privilégios. E ainda assim me compadeço com a dor dos outros. Com as
perdas. Sinto medo. Sinto raiva do distanciamento e de tudo o que ele acarretou
no desenvolvimento de nossas crianças. Sinto tristeza com a miséria de tantas
famílias. Os privilégios não nos tornam menos humanos. E como humana, eu sinto
muito.
Daqui a pouco diremos
adeus a 2020. Queria que tudo de ruim que aconteceu nesse ano ficasse preso
nele, como se um portal se fechasse e não permitisse a passagem para o ano que
se inicia.
Adeus, 2020. Adeus,
adeus, adeus. Vá embora!
Espero que em 2021
possamos voltar a viver de verdade, sem medo e sem máscaras.