quinta-feira, 1 de outubro de 2020

De todas as cores


Gestar, gerar, nutrir, sustentar... gestar é a coisa mais mágica que há. É verdade, é real... a gente lê, a gente escuta, mas a gente só entende mesmo quando está gestando. Ter um ser, um corpo, uma alma, um alguém se formando dentro de você e se nutrindo de você. É louco e é lindo. 

Quando descobri minha segunda gravidez, tive medo. Não foi planejado. Não era pra ser agora. Mas peraí... quem disse que não era pra ser? 

Eu chorando de espanto... marido rindo de felicidade... levantou do sofá e me abraçou. E eu senti o primeiro sinal de “está tudo bem”. Era o que eu mais precisava. 

Tive medo dos julgamentos. Engravidar na pandemia... de quarentena... com um filho pequeno para cuidar... Só o marido mesmo sabe a angústia que enfrentei. 

O julgamento veio... de quem eu mais sabia que viria, mas de quem eu menos precisava. Foi cruel, frio e duro. Foi triste, foi difícil. Foram meses de uma agonia no peito que não desejo a ninguém. Não era pra ser assim. O anúncio de uma gravidez NUNCA deveria ser recebido com frieza e dureza. Uma mulher grávida é um corpo num oceano de hormônios, nadando cachorrinho, tentando respirar, sentindo o peso da responsabilidade, do cansaço, do corpo... uma sensação de desamparo. Agora misture isso à uma pandemia, isolamento social, emprego incerto, reclusão. Fica aqui a minha dica: receba notícias de gravidez com alegria (exceto se for uma gravidez por causas criminosas ou indesejadas, óbvio). “Parabéns! Que notícia boa! Poxa, que alegria!” É tudo o que uma mulher precisa ouvir quando anuncia que está grávida. 

Outro dia, na aula online das crianças, aprendi a nomear um sentimento: “jumbled up”. É quando seus sentimentos estão todos misturados. A atividade era fofa. Cada criança deveria colorir 5 monstrinhos, e cada cor representava um sentimento: amarelo era alegria! Verde era calma. Azul era tristeza. E o monstro todo colorido estava “jumbled up”. Desde o início dessa gravidez me senti o monstro colorido. Saber nomear os sentimentos é um dos primeiros ensinamentos para o desenvolvimento emocional do ser humano. Mas só aprendi o “jumbled up” agora, sentindo na pele. 

A alegria de ser mãe de dois, misturada à angústia das circunstâncias atuais e ao medo do coronavírus, e também ao cansaço de cuidar do filho, da casa, dos trabalhos (graças a Deus os trabalhos sobreviveram)... a saudade das pessoas, não poder ir pra rua, e no meio disso tudo ficar muito feliz ao descobrir o sexo do bebê, e ter discussões homéricas com algumas pessoas próximas, se expor, se desnudar, se esconder, se resguardar...  

Então, veio mais uma ultrassom. Nessa, eu estava sozinha (como na primeira, já que o marido estava em casa cuidando de Ravi). E eu vi minha filha se mexendo, se virando, levantando os bracinhos... e no fim a médica disse: “Olha só essa boquinha!” e me mostrou aquela carinha na tela do aparelho. E ali uma ficha caiu, uma brecha se abriu em meu peito, o amor me inundou e uma lagriminha escorreu. Saí feliz do exame, desci o elevador, passei por corredores, paguei estacionamento, entrei no carro, passei um litro de álcool gel na mão e... desabei. Chorei, chorei, chorei como se não houvesse amanhã. Saí do estacionamento, cheguei em casa, parei o carro na garagem e lá fiquei, por mais uns 40 minutos e chorei tudo o que estava preso desde o primeiro dia. 

Ninguém nunca vai saber como é se sentir um monstro colorido até estar em uma situação extrema. Estar grávida, para mim, é extremo. Ali, eu abri meu peito e deixei extravasar toda a felicidade, a dor, a angústia, o medo, a alegria, o amor, o alívio... E tudo o que eu pensava era: estou gestando, estou nutrindo, estou gerando, estou sendo casa, abrigo, calor, alimento de um serumaninho que talvez tenha recebido algumas cargas de adrenalina nos últimos tempos e que talvez tenha também ficado “jumbled up” (me perdoa, filha, por não ter dançado e sorrido e cantado desde o começo como fiz com seu irmão). Mas ela está aqui, ela veio pra realizar o meu maior sonho que é ser mãe de dois, que é ver crianças brincando e brigando e correndo pela nossa casa. Que é ter uma família grande e completa e feliz e barulhenta e engraçada. Ela está vindo, ela está aqui dentro se colorindo de todos os sentimentos para nascer trazendo a luz e o amor dos quais o mundo anda tão carente nestes tempos sombrios.  

Ela virá. Logo mais. E vou recebê-la com todo o amor do mundo, para que ela nem tenha tempo de entender toda a confusão que está aqui fora, para que ela esqueça toda a confusão que está aqui dentro do meu coração. Para que ela apenas se sinta aninhada, aquecida, acolhida, amada, como seu irmão foi, é e sempre será. Serei mãe de dois. Terei um casal. Terei os dois braços preenchidos e todo o meu coração e todos os cantos da casa. Eu não poderia estar mais “jumbled up”, mas eu também não poderia estar mais realizada.  

Vem, minha Luna, que estou pronta pra ser Terra, aquecida por meu astrinho rei, meu Sol, meu Ravi, e agora fortalecida por minha Lua, meu símbolo de poder, feminilidade e renovação. Vem mostrar pro mundo sua força, minha menina! Estou te esperando, vermelhinha de amor!